O que faz um personagem bom e/ou carismático?
Um texto que eu gostaria de escrever há muito tempo, mas, por ser um assunto muito complexo, me levou muito tempo (portanto peço desculpa aos poucos leitores dos blogs por esses muitos dias sem post. Não só o tema era complexo, como a depressão foi uma profunda barreira para fazer qualquer coisa nesses últimos dias).
Com o sucesso de Baldur’s Gate 3
(SIM, PODEM ME CHAMAR DE LAMBE-BOTAS DA LARIAN, OK), muitas discussões
apareceram sobre os personagens/romances favoritos dos jogadores, e há algo que
eu gostaria de discutir que é: o que faz um personagem ser bem escrito e/ou
carismático? Esse é um tema muito complexo, porque há alguns pontos que se
podem elencar, mas nem sempre o personagem precisa atingir todos eles ou sequer
mais de um. Às vezes apenas um ou dois pontos podem torná-lo absolutamente
memorável na cabeça dos jogadores e fazê-lo virar um favorito dos fãs.
Não sou especialista em criação
de personagens e suas narrativas, longe disso, mas gosto muito de RPGs e jogos
com histórias e personagens complexos, portanto vou levantar aqui alguns pontos
que eu acho interessantes, pontos que eu gosto em personagens. Também pretendo,
claro, utilizar exemplos de personagens favoritos meus para enriquecer a
discussão.
Fiquem avisados que algumas
sessões poderão conter SPOILERS, mas de jogos que já foram lançados HÁ MUITO
TEMPO, portanto não avisarei toda vez que houver um spoiler. E evitarei, é
claro, dar spoilers que sejam muito importantes para a história do jogo.
1: Personagens que se aproximem
de nós
Os gamers têm muita estima pelos
grandes heróis e personagens “badass”, como Kratos, o Homem-Aranha, Batman, Leon
de Resident Evil, Geralt de The Witcher, personagens que têm o poder de
resolver qualquer problema, na maioria das vezes na base da porrada.
Embora sejam arquétipos
atraentes, que vou discutir mais tarde quando eu falar especificamente de
arquétipos, uma coisa que me atrai muito são personagens que tenham problemas,
fraquezas, incertezas, dúvidas, vulnerabilidades. Porque nós, embora admiremos
os personagens fortemente heroicos, nos relacionamos muito mais com esse
segundo tipo, porque somos seres humanos assim. Um exemplo que sempre me
emociona é quando vejo um personagem passando por uma situação em que parece que
está se conectando com a minha própria vida, como essa reflexão de Rean
Schwarzer, personagem do jogo Trails of Cold Steel:
"Tudo o que eu fiz foi depender da gentileza de todos que conheço, não dando nada de bom em retorno."
Aqui, Rean expressa dúvidas sobre
seu futuro, sobre o que ele deve fazer da vida, e sobre como ele se sente
incapaz, mesmo sendo o “protagonista poderoso” do jogo. Quem nunca se sentiu
sem rumo ou incapaz dessa maneira? Esse desenvolvimento, em minha experiência,
eu noto mais nos JRPGs do que nos RPGs ocidentais, que estão interessados em
aprofundar os sentimentos dos personagens do jogo. Mas como eu disse, isso é
apenas a minha experiência pessoal, e outras pessoas podem conhecer RPGs
ocidentais que desenvolvem isso muito bem também. Dois personagens que gosto
muito que têm essas dúvidas (e podem ser influenciados pelo jogador) são
Alistair, um herdeiro de um reino que não sabe se está apto ou não a ser rei
porque não tem autoconfiança e Leliana, que, apesar de ser uma assassina,
passou a ter um lado mais “coração mole” depois de entrar para a Igreja, e os
dois lados, o de gostar de matar e o lado coração mole, passam a entrar em
conflito.
2: O background e as motivações
Acho que o background é uma das
coisas que mais tornam os personagens interessantes, visto que, é claro, o que
nos acontece durante infância e adolescência e o meio em que vivemos molda as
pessoas que nos tornamos. Eu pessoalmente tenho uma “queda” por backgrounds
trágicos, e aqui novamente a Nihon Falcom brilha: há personagens que viraram
vilões por abusos na infância, personagens que perderam a mãe que os protegeu
com o próprio corpo de uma torre que estava caindo, personagens que sofreram
abuso...
Isso também vale para os vilões,
pois obviamente nenhum vilão se torna vilão porque acordou um dia e pensou
“uhm, quer saber, decidi ser malvado”. Por isso um dos meus vilões favoritos de
um jogo não tão bom assim, é o Arishok, de Dragon Age 2: embora seja mostrado
como um vilão, inúmeras vezes ele tenta ser civilizado, e em nenhum momento faz
ameaças à cidade de Kirkwall, onde ele e seu povo se instalaram (com um
objetivo secreto de procurar um ladrão que roubou algo importante deles), mas a
cidade os antagoniza e os temem, até que as tensões aumentam tanto que o
Arishok decide atacar e tomar o poder na cidade. E, ao matar o visconde e
atirar sua cabeça no chão, o Arishok, em minha opinião, faz um discurso que
demonstra bem seus ideais: “Olhem para vocês! Como porcos gordos vocês comem,
comem e comem e reclamam apenas quando seu lanche é interrompido! Vocês não
olham para cima. Vocês não veem como a grama é baixa. Tudo o que vocês deixam é
miséria. Vocês estão cegos. Eu farei vocês verem!”.
Isso tudo acontece porque o Arishok abrigou dois elfos, uma raça discriminada em Dragon Age, por terem matado um guarda que estuprou sua irmã (ao tentarem reportá-lo, foram rechaçados). Esse discurso do Arishok aponta a diferença enorme entre os nobres de Kirkwall (que vivem na “Cidade Alta”), a quem ele compara a porcos, e a “escória” da Cidade Baixa, lugar onde vivem os elfos e pessoas pobres em geral, para os quais os nobres não dão a mínima.
Ainda assim, o jogador é
“obrigado” pelo jogo a ir contra o Arishok e “libertar” a cidade, que elegerá
um novo visconde e manterá o status quo.
Esses backgrounds e motivações
complexas estimulam, novamente, a conexão com esses personagens, entender o que
eles viveram, entender como eles são os que se tornaram e o que os compele a
continuar indo em frente. Para o Arishok, a corrupção e as contradições brutais
de Kirkwall se tornaram fortes demais para suportar. Para Renne, de Trails in
the Sky, que foi abandonada pelos pais e sofreu abusos na infância, o “caminho
das trevas” parecia o único caminho e natural para ela. Ela é uma das vilãs
mais brutais de Trails in the Sky, onde parece ter prazer de brincar com os outros
e trazer dor, onde fala constantemente em estripar e cortar as pessoas. Há
inúmeros exemplos que podem ser dados aqui, e, quanto maior a identificação com
a motivação e o background dos personagens, creio que mais nos apegamos a eles.
Mas com essas motivações e o background também vem...
3: Desenvolvimento e evolução
Os personagens que amamos nem
sempre ficam da mesma maneira para sempre. Muitas vezes é importante
evolui-los, mostrar as mudanças que eles sofrem durante o jogo, e até mesmo
mudanças de ideais. Aqui gosto muito, novamente, de citar Trails in the Sky
(sim, sou um grande fã da série Trails) com a personagem Estelle Bright, que,
para mim, é a melhor protagonista feminina dos games: ela começa como uma
adolescente imatura, que fala e age sem pensar, mas de bom coração e gentil,
mas também com suas dúvidas, visto que ela tem a grande responsabilidade de ser
filha de Cassius Bright, que é basicamente o herói mais conhecido do país em
que ela vive. Seu desenvolvimento do relacionamento com seu irmão adotivo,
Joshua Bright, também vai mudando (e mudando-a) no decorrer do jogo. Ao longo
dos 3 jogos de Trails in the Sky, vemos a evolução de Estelle entre uma menina
esquentadinha e imatura (o famoso arquétipo “tomboy”) para uma mulher madura,
líder, e capaz de lidar com as contradições e percalços que a vida coloca no
caminho. Isso se vê, também, principalmente na maneira que ela interage com
outros personagens. Acompanhar essa evolução ao longo de um jogo ou até mesmo
ao longo de uma saga de jogos, pode até mesmo transformar personagens que não
gostamos tanto no início em nossos personagens favoritos.
Outra personagem que gosto muito
de lembrar é a personagem Viconia de Baldur’s Gate 1 e 2. Ela foi criada na
sociedade Drow, uma sociedade matriarcal que funciona de uma maneira
absolutamente violenta onde a traição e a facada pelas costas são costumeiras.
Embora ela tenha fugido dessa sociedade, ela ainda traz consigo as noções dela.
Portanto, se o jogador for homem, ela o tratará mal, visto que homens são
vistos como inferiores pelos drow (e, em geral, ela tratará qualquer um mal
porque foi criada numa sociedade cruel). E, conforme o jogador vai interagindo
com ela e conhecendo-a melhor, ela pode ir mudando. Ela começa o jogo como “neutra
e má”, mas pode terminar o jogo como apenas “neutra”. O jogador poder
influenciar a evolução de personagens também acontece em jogos como Mass Effect
(com Garrus e Jack, por exemplo), Dragon Age (Leliana e Alistair) e Pathfinder:
Kingmaker e Pathfinder: Wrath of the Righteous.
Até mesmo personagens “badass”
como Kratos, de God of War, precisam de mudanças. Na nova saga, Kratos abandona
boa parte da sua “masculinidade tóxica” da trilogia original e se vê como um
pai recluso tentando criar um filho, mas sem perder as características que o
fazem um “badass”.
Ainda assim, nem todos os
personagens necessitam, necessariamente, de evolução para serem adorados. O
Coringa, de Batman, por exemplo, permanece sempre o mesmo: caótico e aleatório,
capaz de deslumbrar a audiência com sua audácia e capacidade de surpreender.
Outro que continua sempre o mesmo é o Detetive Sherlock Holmes e até seu
parceiro Watson. O mesmo não se pode dizer de Harley Quinn, personagem que, nos
quadrinhos, percebe que está sofrendo um relacionamento abusivo com o Coringa e
encontra abrigo em sua nova amiga (ou namorada?), a também “vilã” Hera
Venenosa.
4: Pequenos detalhes
Eu gosto muito de personagens
que, com pequenos detalhes, cativam o jogador. Muitos deles não tem uma
personalidade complexa, mas esses pequenos detalhes são extremamente
chamativos. Um bom exemplo é Minsc, da saga Baldur’s Gate: em nenhum momento os
dois primeiros jogos se aprofunda muito no personagem, mas o fato de ele ter um
hamster como animal de estimação (um hamster que ele acredita ser um hamster
espacial) e frases de combate como “Ataque nos olhos, Boo! Ataque nos olhos!”,
“Abram caminho, vilões! Um herói está chegando!”, “Mau, conheça a espada!
Espada, conheça o mau! AAAAAAAAHHHH” e o seu relacionamento com seu hamster o
tornaram um dos favoritos dos fãs da saga.
Estelle, novamente, também tem um
pequeno detalhe em sua personalidade: ela gosta muito dos sapatos da marca
“Strega” e gosta de caçar insetos. São coisas que parecem pequenas, mas que marcam
a personagem e aparecem algumas vezes em momentos da trama.
Outro bom exemplo, para citar o
jogo do momento, é Baldur’s Gate 3: o exemplo de como Umbralma tem medo de
lobos, e como isso mais tarde é demonstrado como relacionado com seu
background. Ela também gosta de orquídeas noturnas e não sabe nadar, como ela
revela ao jogador caso ele pergunte sobre ela. E, durante o jogo, o jogador
pode presenteá-la com uma orquídea noturna justamente lembrando dessa pequena
característica. É algo que eu aprecio muito.
Alguns desses detalhes também
revelam facetas profundas dos personagens. O personagem Cassius Bright, por
exemplo, assim como sua filha, Estelle, lutam com um bastão, e isso tem um
porquê: Antes, Cassius usava uma espada, mas, ao ver os horrores da guerra e ao
perder sua esposa, que protegeu Estelle com o próprio corpo, ele preferiu
aderir ao bastão por ser uma arma não-letal, e ensinou Estelle o mesmo
princípio. Portanto, até mesmo algo simples como a escolha da arma de um
personagem pode revelar facetas profundas da sua personalidade.
Evidentemente, a maioria dos
personagens que conhecemos são criados através de arquétipos já conhecidos, e
muitos de nós temos arquétipos que favorecemos e arquétipos que não gostamos
tanto. O arquétipo do “herói” por exemplo, que faz sempre tudo o que é certo e
que tenta fazer sempre o bem porque teve um tutor bonzinho é algo que não me
cativa tanto. Há também o “anti-herói” (que muitos confundem com o vilão. Há
pessoas que acham que Kira, de Death Note, é um anti-herói. NÃO. Ele é um
VILÃO.). Anti-heróis são pessoas que podem estar dispostas a fazer o bem, mas
que tem suas próprias motivações pessoais para tal, e muitas vezes elas entram
em conflito com o que é “fazer o bem” (e é aqui que há a tênue linha entre
vilão e anti-herói. Kira é frequentemente comparado com Lelouch, do anime Code
Geass. Kira é um vilão. Ele não se importa com o bem e só se importa consigo
mesmo e em se tornar o “deus do seu novo mundo”. Lelouch é um anti-herói: ele
quer fazer o bem libertando o Japão da opressão do Império de Britannia, mas
tem suas motivações pessoais de vingança e de cuidar de sua irmã mais nova, que
muitas vezes entram em conflito com fazer o que é certo.).
Há inúmeros arquétipos que podem
ser citados: a tomboy, como já citei (uma garota que age e se comporta mais
como é esperado de um garoto do que de uma garota, por exemplo, não gostando de
vestidos e preferindo se meter em brigas e preferindo esportes masculinos,
etc), a tsundere (personagem que parece ser mal-educada, mas que no fundo é
sensível), o badass (passa uma aura de personagem invencível que espanca todo
mundo), o personagem em busca de redenção (infelizmente costuma ser bem
clichê), etc.
Acho que todos temos nossos arquétipos
preferidos, mas acho o mais interessante é como esses arquétipos são aplicados
e como o personagem se desenvolve através deles. Um personagem “tsundere” que
apenas insulta o jogador e jamais demonstra seu lado sensível não vai acabar
sendo um personagem carismático. Uma tomboy cuja única característica seja “ser
tomboy” também não vai ter muito carisma (é por isso que gosto tanto da
personagem Estelle, como já mencionei: ela vai muito além de ser uma tomboy).
Essa é a parte mais difícil da criação de um personagem, ao meu ver: como pegar
aquele arquétipo, adicionar conflitos, torná-lo interessante, e fazê-lo evoluir
ou ir além do que se espera do arquétipo? Aqui entra uma lista de personagens
que não gosto (e que muitos vão me odiar por isso) porque, para mim, não
conseguem ir além do arquétipo de badass: Kratos (God of War), Ezio e Alistair
(Assassin’s Creed), Ryu (Street Fighter), e provavelmente há outros de
videogames que não me aprofundei (tenho curiosidade em conhecer Dante de Devil
May Cry e ver se ele vai além disso). Personagens que vão além do badass na
minha opinião, incluem Geralt de The Witcher e Sephiroth, de Final Fantasy 7.
6: Vilões
Em muitos RPGs, os vilões são bem
“de um lado só”: eles querem poder, querem se tornar deuses, querem só fazer o
mal “porque sim”, e por aí vai. São os tipos de vilões que não me atraem muito.
Como já mencionei lá atrás, vilões com motivação, vilões com um bom background
ou até mesmo vilões com um bom “jeito de vilão”, que saibam, de uma maneira bem
escrita, atingir nosso âmago, seja nos humilhando, matando um personagem
querido, ou sabendo ser perfeitamente babacas, também são um bom tipo de vilão.
São, como George Martin chama, personagens que “amamos odiar”. Seu próprio
personagem, Joffrey, para quem viu a série ou leu os livros, é um perfeito
exemplo disso: era um personagem absolutamente nojento, e era impossível não
odiá-lo (o que melhorou ainda mais com a excelente atuação de Jack Gleeson.).
E, para mim, é muito melhor odiar um personagem do que ser indiferente a ele.
Sou indiferente, por exemplo ao vilão de Final Fantasy 10 ou Dragon Quest 11,
porque nada os motiva muito de verdade e poucos sabemos sobre eles.
Bom, esses são alguns pontos que
me chamam a atenção para gostar (ou odiar) personagens em videogames, ou
simplesmente achá-los personagens ruins. E vocês, o que acharam? Quais seus
personagens favoritos e quais dessas características vocês encontram neles? Por
que seus personagens favoritos são seus favoritos? Deixem seus comentários!
Acho interessante também citar um
último ponto importante: um bom ator ou atriz pode fazer maravilhas para
gostarmos mais ou menos de um personagem, como vimos no caso de Jack Gleeson e
no caso do ator Jim Cummings, que interpreta Minsc em Baldur’s Gate 1 e 2.
E como sempre digo em todos os
posts, por favor, não deixe de conhecer meu trabalho e me seguir em outras redes. Como estou desempregado e faço esse blog com o intuito de um dia ele me
ajudar a desenvolver e demonstrar minhas habilidades de escrita para conseguir
um emprego na área dos games ou de esportes, quem quiser ajudar financeiramente
o blog pode fazê-lo por pix ou se inscrevendo no nosso apoiase que foi
reformulado com novas recompensas e descrição, visto que eu me aposentei da
Twitch!
Também agradeço quaisquer
contatos que vocês possam me passar para empregos na área dos games (posso
atuar em várias áreas, como social media, community manager, atendimento ao
cliente, suporte, tradutor, etc) e indicações minhas que vocês possam fazer
para quem vocês conheçam que atue na área e esteja procurando alguém. Meu
linkedin está incluso no link para minhas redes.
Deixe também dicas, sugestões ou
críticas, visto que essa é minha primeira experiência com blogs!
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